A crise silenciosa da IA nas empresas: a proliferação descontrolada de agentes autónomos

A nova vaga de agentes autónomos de IA promete eficiência, mas está a mergulhar as empresas num labirinto tecnológico. Sem coordenação, a proliferação destes sistemas — o chamado agent sprawl — arrisca transformar a inovação em caos operacional.
19 de Maio, 2025
Imagem gerada por IA

Nos últimos doze meses, a proliferação de agentes autónomos alimentados por inteligência artificial está a transformar-se numa das dinâmicas mais aceleradas — e menos controladas — dentro do ecossistema empresarial. O entusiasmo com as potencialidades destes agentes tem levado as organizações a multiplicar plataformas, ferramentas e iniciativas paralelas, muitas vezes sem uma estratégia unificada. O resultado é o surgimento de um fenómeno tecnológico já conhecido noutros domínios, mas agora com consequências potencialmente mais graves: o agent sprawl.

O que são agentes autónomos e porque se multiplicam

Ao contrário de modelos de IA generalistas, os agentes autónomos são concebidos para executar tarefas específicas dentro de um fluxo de trabalho. São capazes de tomar decisões, interagir com múltiplos sistemas e operar com relativa autonomia, permitindo automatizar processos com elevada complexidade cognitiva. Desde a triagem de pedidos de suporte técnico até à preparação de relatórios financeiros ou à coordenação de equipas de vendas, os agentes prometem ganhos de eficiência substanciais.

Este novo paradigma está a ser promovido por praticamente todos os grandes fornecedores tecnológicos — de Microsoft a Salesforce, de AWS a Google Cloud — cada um introduzindo a sua própria camada de agentes sobre os respetivos ecossistemas de dados, CRM, ERP ou cloud. Ao mesmo tempo, novas plataformas surgem no mercado com abordagens mais especializadas, aumentando ainda mais a fragmentação da paisagem tecnológica.

O problema não está nos agentes em si, mas na forma como estão a ser adotados: de forma oportunista, departamental e descoordenada. Cada equipa funcional — RH, finanças, TI, marketing — começa a desenvolver ou integrar agentes próprios, baseados em plataformas distintas e com objetivos específicos, sem uma visão transversal da arquitetura empresarial.

A descentralização traz agilidade no curto prazo, mas compromete a governabilidade a médio e longo prazo. Multiplicam-se interfaces redundantes, regras de negócio contraditórias, integrações frágeis e sobreposição de funções entre agentes que operam em silos. O resultado é um ecossistema desorganizado, difícil de auditar, com custos crescentes de manutenção e risco operacional elevado.

Mais grave: esta fragmentação mina os próprios objetivos de retorno sobre o investimento (ROI), dado que as sinergias esperadas da automação inteligente começam a diluir-se num ambiente de incompatibilidades, conflitos e duplicações.

O risco invisível da complexidade crescente

Ao contrário das primeiras ondas de digitalização — como a migração para a cloud ou a adoção de RPA (Robotic Process Automation) — os agentes autónomos são mais difíceis de controlar porque atuam de forma dinâmica e adaptativa. A sua lógica de decisão pode evoluir com base em dados em tempo real, e as suas interações com outros sistemas são frequentemente determinadas por algoritmos de machine learning, cuja opacidade torna mais difícil a rastreabilidade e a validação de resultados.

Além disso, a complexidade não cresce de forma linear. À medida que mais agentes são introduzidos no ambiente empresarial, o número de interdependências, pontos de falha e potenciais incoerências cresce exponencialmente. O sistema torna-se cada vez mais difícil de diagnosticar, e cada alteração marginal num agente pode desencadear efeitos imprevisíveis noutros processos.

O que falta, em muitas organizações, é um modelo operacional explícito para governar o ciclo de vida dos agentes de IA — desde a sua conceção e treino até à sua monitorização, escalabilidade, atualização e descontinuação. Sem políticas claras de versioning, métricas de desempenho, regras de segurança e mecanismos de interoperabilidade, os agentes tornam-se ativos digitais opacos e descontrolados.

A ausência de AgentOps — uma abordagem sistémica inspirada em práticas como DevOps ou MLOps — impede a criação de estruturas transversais de controlo. Em vez de se assumir uma plataforma central com governança partilhada, a tentação de multiplicar iniciativas isoladas conduz inevitavelmente ao caos funcional.

Interoperabilidade: solução ou novo problema?

Uma das promessas para controlar o agent sprawl passa por normalizar a forma como os agentes comunicam entre si e com os sistemas centrais. Protocolos como o Model Context Protocol (MCP) ou o A2A da Google estão a ser desenvolvidos com o objetivo de estabelecer uma linguagem comum entre agentes, reduzindo a redundância e promovendo a orquestração inteligente de tarefas.

Contudo, tal como aconteceu com os standards na cloud ou na integração de APIs, é previsível que surja uma nova camada de fragmentação — agora ao nível dos próprios protocolos. Se cada fornecedor adotar variantes distintas e não interoperáveis, poderemos assistir a uma nova fase do problema: a agent protocol sprawl.

Mais do que uma questão técnica, o agent sprawl representa uma ameaça estratégica à maturidade digital das organizações. A promessa de eficiência, personalização e escalabilidade que os agentes de IA trazem consigo pode ser rapidamente anulada por uma implementação caótica, onde a tecnologia se sobrepõe à arquitetura, e a inovação se fragmenta em múltiplos silos isolados.

É imperativo que as lideranças tecnológicas — os CIO, e os CTO, responsáveis de arquitetura empresarial — adotem uma visão holística e antecipem o impacto estrutural desta nova geração de automação inteligente. A próxima crise da transformação digital poderá não vir da resistência à mudança, mas da ausência de coordenação na adoção da mudança.

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